A cinematografia é um conceito artístico pertencente a um
filme. Ele diz, sem falar. Ele mostra, mas às vezes de relance. Perguntas nunca
ficam sem respostas, mas tal resposta não é necessariamente o diálogo de uma
personagem. Ele pode dizer "sim", mas a cena cortou antes do galã abrir a boca,
então como foi ele respondeu algo? É aí que entra a cinematografia. É aí que
o diretor de fotografia conversa com o diretor de arte, e este último conversou
com o diretor do filme e, somente então, pôde transmitir toda a ideia
conceitual envolvida na obra.
Com a câmera: Vittorio Storaro, diretor de fotografia |
O diretor de fotografia é responsável pelo enquadramento e movimentos de câmera que serão realizados, e isso só é possível após o
alinhamento de ideias com o diretor de arte, como mencionado anteriormente. Mas como assim? De forma grosseira, posso dizer que a cinematografia é a parte
prática do conceito artístico. É o momento onde o que está no papel será
filmado e realizado. Para isso, precisamos abordar etapas antecedentes:
O diretor cria o filme e escreve um argumento de base. O
roteiro é criado a partir do argumento. O diretor de fotografia transforma o
texto (roteiro) em filme, e é aqui, nesta última etapa, que se aplica a cinematografia.
Imagina uma cena onde uma personagem convida outra para ir a um baile, e ela
aceita. Há várias maneiras de se dizer ‘sim, eu vou ao baile’, mas um roteiro será rico caso a resposta venha de uma outra maneira que não pelo diálogo.
Isto enriquece também a narrativa. Agora resolvi trazer alguns exemplos em que a
cinematografia ocorreu de maneira espetacular, já em filmes consolidados e
aclamados:
Tubarão (1975)
Cena onde eles estão no barco, a luz incide trêmula em
Hooper – significa que ele está bêbado. A mesma lâmpada projeta luz em Quint,
mas neste caso ele está sóbrio (embora ele também esteja bebendo) e sua
iluminação é também sóbria e sem trepidação. Já para o protagonista, Brody, a
luz incide tímida onde mostra que ele participa pouco da conversa, e a penumbra
significa que ele está tendo um pensamento distante, apesar da conversa
divertida que está rolando naquele take.
Star Wars – O Despertar da Força (2015)
Um exemplo recente onde a linguagem cinematográfica foi aplicada
de maneira interessante foi em Star Wars Episódio VII. A cena que eu gostaria
de abordar é o encontro de Kylo Ren e seu pai, Han Solo. No início do diálogo
Kylo demonstra dúvidas, ele está dividido entre o lado da luz e o lado sombrio,
e isto pode ser visto nas cores do take. Inicialmente temos um contraste do
azul com o vermelho, e quando Kylo decide matar Han a cena toda está vermelha.
Ou seja, ele havia tomado sua decisão e não houve necessidade de falar a
respeito, pois a escolha do personagem foi corroborada nas cores da cena.
Enquanto havia dúvidas, o azul e o vermelho dividiam a tela, mas quando ele
passou a ter certeza do que faria, tudo ficou apenas vermelho.
Kylo Ren e Han Solo, no momento onde Kylo estava em conflito consigo mesmo |
Aqui Kylo Ren estava decidido e acabou matando o lendário Han. Note o vermelho preenchendo o take em sua totalidade |
A semiótica foi interessante neste caso, apesar de Kylo Ren
ter falado abertamente que estava com dúvidas, o ideal seria ele não mencionar
especificamente este sentimento, mas tudo bem. O fato é que o contraste do azul
e vermelho acaba quando o sol é totalmente consumido pela base Starkiller,
momento exato em que culmina na morte de Han Solo.
Segundo Tristan Aronovich, o "[...]trabalho da equipe
de cinematografia é infinitamente mais complexo e sofisticado do que somente
ligar uma câmera, ajustar as luzes e começar a gravar. O próprio termo,
“fotografia”, por si só bastante poético, implica em “escrever com a luz”, e
cada quadro ou escolha de iluminação devem ser específicos, ter um propósito,
contar uma história e valorizar a narrativa dramática do filme provocando na
audiência o resultado esperado."
Então encerro esta matéria por aqui, caros amigos. Espero
que gostem.
Abraços,
Kike