Olá, amigos leitores. Para a
publicação de hoje eu preparei uma crítica do filme Réquiem Para Um Sonho,
filme dirigido por Darren Aronofsky e lançado no ano 2000. A obra de Hubert
Selby Jr, escrita e publicada em 1978, ganhou adaptação que até hoje é bastante
conceituada no mundo da cultura pop, tendo o escritor inclusive trabalhado no
roteiro junto de Aronofsky, o que permitiu a obra ter sua liberdade trabalhada,
porém mantendo a fidelidade do conceito originalmente desenvolvido.
SINOPSE
“Harry quer ser rico. Sua mãe, Sara, quer que ele seja feliz e se case. Marion, sua namorada, quer ter uma grife”.
O filme desenvolve sua trama do
ponto de vista de 2 personagens, Harry e Sara Goldfarb – mãe e filho – e se desdobra
em 4 linhas narrativas, incluindo também Marion e o amigo de Harry, Tyrone.
Enquanto Harry vive se drogando e vendendo a TV da própria mãe para conseguir as
substâncias, Sara aceita de maneira complacente, pois Harry é tudo o que lhe
restou. Marion e Harry se relacionam, mas a moça mantém um relacionamento
distante com um outro homem, enquanto Tyrone é o parceiro que busca as drogas.
Harry observa e pensa na ideia de diluir o que compram para vender, faturando
um dinheiro para realizar seus objetivos.
De acordo com NOGUEIRA (Géneros
Cinematográficos, p.23), o drama psicológico “coloca, frequentemente, o
indivíduo em confronto consigo mesmo, com os seus medos ou incertezas, com a
sua insegurança ou as suas convicções, espelhadas frequentemente por aqueles que
o rodeiam, como se de uma jornada de reconhecimento íntimo se tratasse”. Dito
isto, o filme desenvolve o gênero drama em um misto psicológico e adota
linguagem riquíssima, resultando em uma obra bastante completa e coerente em
sua proposta.
CORES e a CROMOTERAPIA DE ARONOFSKY
Em Cromoterapia – Noções Gerais,
contempla-se: “O homem desde o seu nascimento está rodeado de cores e o
vestígio das sensações dessas cores são captados pelo cérebro deixando aí, a
sua impressão. As cores são estímulos
psicológicos para a nossa sensibilidade, influenciando-nos, seja para gostar ou
não de algo, para negar ou afirmar, para agir ou abster-se. As preferências de
uma determinada cor baseiam-se em associações, experiências do passado ou o
momento em que estamos vivenciando.
Cromoterapia é a ciência que
utiliza a vibração das cores do espectro solar para restaurar o equilíbrio
físico-energético em áreas do corpo que apresentam alguma disfunção. As
propriedades terapêuticas de cada cor vão agir nos campos energéticos que
chamamos de Chakras, corrigindo e reativando o campo vibratório celular.”
Partindo do princípio de estudo
das cores, Aronofsky as utiliza de maneira coerente. Seja uma cor que mudou de um momento para outro, seja um
filtro azul, que torna tudo mais frio e dependente. Não farei um estudo
minucioso cor por cor, apenas destacarei algumas que sugerem forte significado
no filme e nos influencia a partir de uma estética aparentemente imperceptível.
Cinza: Harry utiliza roupas
cinzas em um determinado momento, quando visita sua mãe. O cinza representa elegância,
respeito, mas também sutileza. É quando ele adota comportamento sutil para dizer
à sua mãe que ele é traficante de drogas - e também para tecer críticas por ela
também estar se drogando. A ironia no filme é exposta em uma dualidade oriunda
de um drama familiar;
Verde: O verde pode representar
natureza e esperança, mas também pode significar ganância e desenvolvimento -
não necessariamente um desenvolvimento positivo, como no caso de Sara. Em determinado
momento Sara sofre com alucinações, e um take mostra a parede de sua casa
esverdeada enquanto a própria Sara está sombreada, vestindo vermelho. Aqui foi
explícito o caminho que a personagem tomou e como estavam acontecendo as
consequências de suas atitudes, em detrimento de ganância. O vermelho de seu
vestido e cabelo tem grande significado em sua psique, nos apontando a paixão
da personagem pelo convite feito e o perigo que este sentimento pode trazer.
PSIQUE DAS PERSONAGENS
Freud diz que nossa psique é
dividida em 3 secções: Id, ego e superego. O austríaco, que é considerado pai
da psicanálise, publicou vários trabalhos na década de 20 – o estudo da psique
humana entre estes. Utilizando sua teórica é possível compreender e fundamentar
o desenvolvimento de cada personagem do filme. Então, após breve tópico das 3 secções, as aplicaremos em cada personagem a fim de compreender
a estruturação de cada mentalidade.
- Id – Formado pelo princípio do prazer;
- Ego – Trazer nossas vontades à realidade;
- Superego – Formado pela parte moral da mente humana;
Harry:
Id – Obsessão por drogas e dinheiro;
Ego – Não se importa em ter de
vender a TV da própria mãe ou pedir para sua namorada se prostituir. Ou seja,
ele coloca o dinheiro como objetivo à frente até mesmo de um aspecto moral;
Superego – Possivelmente o
aspecto moral de Harry indica uma infância difícil de abuso ou violência
física/verbal de seus pais;
Harry |
Marion
Id – Prazer pelo uso de drogas;
Ego – Ela mora longe dos pais, mantém
relacionamento com um outro homem enquanto se relaciona com Harry. Ela dá pouca
importância para as pessoas à sua volta;
Superego – É possível refletir
sobre Marion pensando que essa liberdade e distanciamento social que ela põe em
prática indique uma infância de pouca proximidade e adolescência de cobranças e
espiritualidade/religião;
Marion não tem o mesmo sentimento afetivo por Harry |
Sara
Id – Obsessão pelo protagonismo;
Ego – Sara não se importa com o
uso de substâncias ilícitas para perder peso e seu antigo vestido vermelho
voltar a lhe servir;
Superego – Pode ser um indicativo
de que Sara se sentia coadjuvante e, finalmente, viu sua chance de ser
protagonista e agarrou tal oportunidade com as duas mãos. Porém, isso lhe
custou a saúde;
Sara |
Tyrone
Id – Sonha em ver/estar com sua
mãe novamente;
Ego – Tyrone alimenta um
sentimento de vazio por algum motivo (ela pode ter falecido), trocando a sensação
por drogas e relacionamentos superficiais;
Superego – Pode ter não tratado
bem sua mãe durante infância/adolescência, por isso o sentimento de sonhar em
estar com ela novamente e aproveitar os momentos novamente, mas de maneira
positivista;
Tyrone |
A análise acima foi feita inteiramente
por mim, com base nos estudos e publicações de Sigmund Freud e não são parte
essencialmente explícita na obra. Porém este texto e estudo de cada personagem,
seja ele protagonista ou coadjuvante, serve para ilustrar como cada personagem é
rico em detalhes, criação e desenvolvimento. Da parte do diretor, cada personagem
é mostrado em 3 situações de suas vidas, e todas elas são correlacionadas às
estações do ano: verão, outono e inverno. Sendo:
Verão – Iluminação e energia para
que cada personagem inicie sua respectiva jornada pela conquista dos objetivos;
Outono – Outono é a perda da energia
com a fragilização do sol e a queda das folhas nas árvores. Fall quer
dizer outono, em inglês, mas também pode ser traduzido como a queda, sendo
a conotativa para o declínio dos personagens no filme;
Inverno – O inverno é a estação
mais fria, ou então a com menos vida. Serve como ilustração da morte do sonho
de cada personagem, entrando aí a palavra réquiem no título, que significa
‘repouso’ em Latim, mas também ilustra uma canção religiosa para a morte.
FOTOGRAFIA x TRILHA SONORA
A fotografia que Matthew
Libatique trouxe ao filme é fruto de um trabalho muito competente por parte de
Matthew, que realizou toda a iluminação – ou a ausência de luz – com a destreza
necessária. Isso resulta em um filme como exemplo a ser seguido, pois toda a
parte de cinematografia foi aplicada corretamente. Destaque para o filtro azul
em algumas cenas, cuja conotativa é a dependência ou a tristeza de alguma
personagem, ou então a cena em que Harry e Marion discutem se vão, ou não,
utilizar a heroína restante. Inicialmente o rosto de Harry está semi-iluminado,
o que demonstra a dúvida com relação ao uso da droga. Posteriormente Marion o
convence, e seu rosto aparece todo iluminado – isso mostra a dúvida se esvaindo.
Matthew levou prêmio de Melhor Fotografia na Independent Spirit Awards, inclusive.
Cena sobre a iluminação |
Finalizando, gostaria de indicar
este filme para quem ainda não o assistiu. Sua temática é complexa e gira em
torno de muitos assuntos, resultado de 4 linhas narrativas que nos entrega um
filme com muita coisa para se observar, ao invés de mais um mero entretenimento
para ver o tempo passar. São 100 minutos muito bem aproveitados.
Abraços,
Kike
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Referências
NOGUEIRA, Luís. Manuais de cinema
II: Géneros cinematográficos, ed. LabCom, 2010.
The Unconscious: Frequently Asked
Questions - https://www.freud.org.uk/learn/discover-psychoanalysis/what-is-the-unconscious/the-unconscious-frequently-asked-questions/
Five essential film scores by
award-winning composer Clint Mansell - https://www.royalalberthall.com/about-the-hall/news/2016/february/clint-mansells/
Gustav Freytag: Father of
Dramatic Structure/Happy Looking Fellow – s.d. s.p.